A tarde caía aos poucos, e eu seguia há horas no escritório. As vozes femininas vinham de longe, da piscina, entre risos, conversas e respingos de água. O som da casa viva contrastava com o silêncio tenso que pairava sobre mim, como se eu estivesse suspenso num tempo paralelo. Foi então que ouvi uma batida leve na porta.
— Está ocupado?
A voz era suave, conhecida, mas ainda assim me atingia como um tremor silencioso. Era Marina. Entrou sem esperar resposta, os cabelos ainda úmidos da piscina, um roupão branco levemente entreaberto, os pés descalços. Sentou-se na poltrona do canto, sem cerimônia, como se aquele fosse seu lugar por direito.
— Está escrevendo de novo? — perguntou, com um sorriso inclinado entre a inocência e a provocação.
Eu desviei o olhar da tela em branco e a encarei. Ela percebeu o tempo prolongado do meu olhar, sabia que me afetava.
— Estou tentando — respondi. — Mas as palavras me escapam. Um bloqueio, talvez.
— Talvez esteja precisando de... inspiração.
Ela disse com naturalidade perigosa, os dedos brincando com o cordão do roupão, distraída — ou fingindo estar. Seu olhar não vacilava, eu limpei a garganta, numa tentativa frustrada de recuperar a lucidez.
— Achei que estivesse se divertindo com Clara e Adriana.
— Clara subiu pra tomar banho. Adriana quis ficar na piscina. E eu... quis conversar com você.
Fez uma pausa. Levantou-se devagar, andando até a estante, passando os dedos pelos livros como se cada um carregasse um segredo. Tocou os títulos sem lê-los, até virar-se de novo, os olhos presos aos meus.
— Gosto daqui — sussurrou. — Do jeito que você me olha quando acha que não estou vendo.
Fiquei em silêncio. O ar estava carregado. E então, com um sorriso contido, ela completou:
— Talvez você devesse escrever sobre isso. Sobre alguém que tenta resistir, mas já não consegue.
E saiu. Tão suavemente quanto entrou. Deixou o perfume, o silêncio, e a certeza de que o jogo seguia.
Na prateleira, um brilho — ou o que minha mente atribuiu como tal. Um reflexo na lombada dourada de um livro em particular. "Lolita", de Nabokov. O nome pulsava como uma ironia. Hesitei por um instante, o cheiro de Marina ainda pairando no ar. Fechei o laptop, que seguia com uma folha em branco. Abri a escrivaninha.
Na gaveta, o segredo: a calcinha vermelha. Ainda ali. Dobrada como um pacto silencioso. Toquei o tecido com reverência, sentindo a memória viva da noite anterior, o cheiro, a pele, os sussurros. Levei-a ao rosto — instinto puro. O perfume era uma assinatura. Doce, íntimo, quente.
Fechei os olhos. Lembrei das coxas, do toque, do modo como ela dizia meu nome, não com pressa, mas com intenção, estava em transe. Mas um som me arrancou dali: uma gargalhada, vinda da piscina. Era Adriana. Em seguida, Marina. E então, Clara. Um trio de vozes que deveria soar familiar, mas agora parecia estranho, deslocado.
Guardei a calcinha com o mesmo cuidado de quem esconde um tesouro. Respirei fundo, fui ao banheiro, lavei o rosto com água fria, como um gesto simbólico de retorno à razão.
Segui até a varanda da sala, com passos contidos. Ao me aproximar da piscina, as vozes abaixaram, um riso contido, depois um sussurro abafado. Inclinei levemente o corpo. Vi as três ali, mas o que me congelou foi o instante seguinte.
Adriana estava com uma das mãos no rosto de Marina, os rostos quase colados. Houve um beijo, lento e profundo, um gesto íntimo, delicado, mas repleto de significado, não era novidade, havia cumplicidade, hábito, a forma como se tocavam, o silêncio entre elas, dizia mais do que o gesto em si.
Clara estava ali também. sentada à beira da piscina, sorrindo, como quem já conhecia aquele segredo e o guardava como parte de algo maior, recuo um passo, o coração acelerado — mais pela revelação do que pelo ciúme. Adriana. minha esposa, tantos anos de casamento, mas havia ali algo que me escapava, algo que nunca me foi revelado, algo que eu nunca perguntei.
Voltei para o escritório, sentei-me, o corpo em alerta, a mente em conflito, Marina havia me envolvido num jogo, mas agora percebia: não era só eu. Não era só ela. Não era só desejo, havia mais camadas, e eu estava mergulhado nelas, sem saber onde era o fundo.
Encostei-me na cadeira. O sol agora se escondia por trás do muro. A casa, que sempre me foi refúgio, agora era território desconhecido. E eu... uma peça num tabuleiro que não sabia mais quem comandava, fechei os olhos por um segundo. O silêncio voltou. Mas agora, diferente. Não era paz. Era o prenúncio de algo que estava prestes a começar.
Curioso pela continuidade dessa história. Será que Adriana e Marina tem algo e Clara sabe de tudo? E Clara e Marina, será que tem alguma relação também?!
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